Aos que não têm morada certa
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3 de setembro de 2024Ronaldo Lidório
A igreja de Cristo vive dias de forte antagonismo entre a fé e a dúvida, o amor e a indiferença, a santidade e o pecado, a liberdade e a perseguição. Perante um mundo que nos convida a ver, Deus nos convida a crer. Entender esse convite, abraçá-lo e proclamá-lo, parece ser a nossa missão e o significado de nossas vidas.
Paulo afirma que “a justiça de Deus se revela no evangelho, de fé em fé, como está escrito: O justo viverá por fé” (Rm 1:17). Esse verso reproduz a mensagem de Habacuque (Hc 2:4), que faz essa afirmação 600 anos antes de Cristo. No primeiro capítulo do livro de Habacuque, o profeta denuncia o sofrimento do povo de Deus perante o ataque dos caldeus, narrando a aflição do povo com a violência, destruição, prisão e humilhação. E pergunta: “Até quando, Senhor, clamarei eu, e tu não me escutarás? Gritar-te-ei: Violência! E não salvarás? Por que me mostras a iniquidade e me fazes ver a opressão?” (Hc 1:2-3).
O profeta pede que Deus mude as circunstâncias e anule o sofrimento, porém a resposta de Deus é diferente: o Senhor lhe diz que o povo sofrerá ainda mais e que as dores apenas começaram. Habacuque se desespera e aguarda na torre de vigia. Lança-se à oração (Hc 2:1).
Perante essa crise profundamente desesperadora, ele reconhece algo novo sobre Deus, e diz: “Ainda que a figueira não floresça, nem haja fruto na vide; o produto da oliveira minta, e os campos não produzam mantimento; as ovelhas sejam arrebatadas do aprisco, e nos currais não haja gado, todavia eu me alegro no Senhor, exulto no Deus da minha salvação. O Senhor Deus é minha fortaleza” (Hc 3:17-19).
O profeta percebe que Deus não perdeu seu poder diante do caos. Deus não deixa de ser Deus quando se cala. Habacuque pede que o Senhor mude as circunstâncias, mas Deus lhe convida a crer que Ele é Deus apesar e além das circunstâncias.
No capítulo 2 Habacuque exclama aquilo que iria levar Paulo, após 600 anos, a fundamentar a carta aos Romanos, e Lutero, após 2.100 anos, a iniciar a Reforma Protestante: “O justo viverá por fé” (Hc 2:4). Deus não nos convida a ver, mas a crer. Deus nos convida a ter fé. E, como Paulo afirma: “a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo” (Rm 10:17).
Não há nada mais poderoso em nossas ações do que proclamarmos a Palavra do Senhor, na qual cremos. Ela gera fé e transforma o coração mais duro, a nação mais forte, o homem mais ímpio, como transformou a minha e a sua vida. Creia que Ele fará isso ainda com milhões ou bilhões.
Vivemos em um país que carece profundamente de paz, justiça e livramento. Creio que é também missão da igreja clamar ao Senhor para que essas circunstâncias mudem, bem como lutar e participar dessa transformação. Porém, nossa missão vai além do clamor pela mudança do cenário. Ela envolve também proclamar que, mesmo em meio à tragédia, há Deus – e Ele nos convida a crer.
A primeira missão da igreja, portanto, não é a proclamação, mas a fé. Não é viver, mas morrer. Não é mudar, mas ser transformada. A missão é resultado da fé.
À semelhança de Habacuque, nossa tendência é buscar com maior intensidade o livramento do sofrimento diário. Deus, porém, vê além da linha do horizonte e promove um livramento eterno. Por vezes Ele usa o sofrimento temporário para que tenhamos nossa atenção voltada para sua dependência. Outras vezes os maiores aprendizados não ocorrem nas savanas tranquilas, mas nos desconfortáveis desertos. Não devemos buscar o sofrimento, mas compreender que há um propósito maior que a dor.
“Ainda que a figueira não floresça…” nos ensina que todos os planos de Deus, mesmo em meio ao sofrimento e caos, são planos de amor. E que reconhecer isso nos dá a mais santa e poderosa mensagem: há Deus!